sábado, setembro 12, 2009

UMA REFLEXÃO SOBRE A CIÊNCIA E NATUREZA

Já ouvi a declaração de algumas pessoas, não familiarizadas com o modo de se fazer Ciência, de que as conclusões científicas nada mais são do que extensões das crenças de seus elaboradores. Logo, vários cientistas com um projeto similar chegariam a diferentes conclusões (Tal afirmativa ignora totalmente todas as descobertas feitas simultaneamente de forma independente, a partir da análise dos mesmos fatos, como a Lei da Conservação de Energia - quatro cientistas chegaram à mesma conclusão, quatro! - , a Lei de Boyle-Mariotte, a evolução por meio da seleção natural e a descoberta do HIV, entre outras tantas). Sendo um resultado científico fruto da vontade e desejos de seu elaborador, ele não seria nem um pouco confiável.

Essa visão de Ciência, por incrível que pareça, é bastante popular. O sonho de quase todo cientista (ou não) seria esse: Conduzir resultados a um caminho pré-deteminado, do mesmo modo que um pastor conduz seu gado. Chega a ser irônico e contraditório. Apesar de em Ciência não podermos considerar nada como um absoluto verdadeiro, o termo "cientificamente comprovado" é usado de forma indiscriminada neste sentido, principalmente por (e para) pessoas que não fazem a mínima idéia do que o método científico é. Eis o paradoxo: As pessoas culpam as mazelas modernas à Ciência mas precisam de um aval dela para validar suas escolhas.

A Ciência não é fácil. Nem de fazer nem de entender. É mais cômodo e exige menos reflexão atribuir causas sobrenaturais aos fatos do que analisá-los de um ponto de vista científico. Não são os avanços da Biologia nem da Medicina que curam, mas a eza, o amuleto, a bênção e a simpatia. A Ciência apenas destrói, exclui e polui e não nós, que utilizamos suas descobertas de forma irresponsável.

Eu estava me lembrando de minha Iniciação Científica, de todo o trabalho, de todos os experimentos que deram certo e da grande maioria que não deu, da repetição de experimentos, da leitura exaustiva de artigos, de congressos. Da elaboração da monografia, descrevendo todos os passos, métodos usados, resultados e conclusões. Da defesa (a pior parte), onde meu trabalho foi avaliado por uma banca formada por cientistas da minha área, bem mais experientes, onde se houve críticas, indagações e sugestões. É uma experiência traumática para a maioria das pessoas mas prepara para o mundo científico, onde uma publicação de resultados é avaliada não por 3 ou 4 mas por milhões de especialistas. A beleza do sistema é que qualquer um poderá repetir seus experimentos, aplicar suas descobertas em outras linhas de pesquisa, levando ao desenvolvimento de novos experimentos e tecnologias. Isso leva também à descoberta de erros ou fraudes pelos outros cientistas e à elaboração de novas teorias, que não surgem do nada mas com base em outras pesquisas.

As pessoas tendem a usar as descobertas científicas em sua forma prática, desvinculando-as da pesquisa básica. A descoberta de antibióticos e vacinas levaram à uma nova era: No final do Século XVIII, menos de 25% das crianças passavam dos cinco anos. No início do Séc. XX, a expectativa de vida média mundial se situava entre 30 e 40 anos. Hoje, passa dos 65. Isso levou ao aumento da população mundial e às suas necessidades de consumo, gerando poluição e afetando vários ecossistemas, já que ela dispunha de uma tecnologia mais destrutiva do que as das gerações anteriores, inclusive os indíos (É fato conhecido que a relação harmônica das populações indígenas com a natureza é um mito). Nós não usamos a tecnologia de modo eficiente e no final culpamos quem a elaborou. Atualmente, há a rejeição parcial por tudo que é artificial e o surgimento de uma nova religião, baseada em um conceito um pouco equivocado do que é natural. Como toda religião, possui seus dogmas, os quais não necessariamente são baseados na razão.

Natural, em Filosofia Natural, é tudo aquilo que não é feito pelo homem nem sofre sua intervenção. Como toda palavra da moda (galeria que inclui orgânico, ecologia, química, quântica, etc.) é utilizada em uma gama enorme de produtos e serviços, os quais fogem completamente de seu sentido original. Em uma conversa recente com o Fábio Léda, pelo Twitter, ele defendia o conceito de natural como "não-modificado pelo homem em sua estrutura original" e até certo ponto ele estava certo. Mas ao estender esse conceito à agricultura orgânica, ele perde efeito já que é algo manufaturado. O conceito de que tudo que é industrializado possui muita "química" perde um pouco o sentido ao se analisar que tudo o que existe é formado por átomos e ligações, portanto tem química, seja feito pelo homem ou não.

Outra questão em discussão foram os transgênicos e alimentos modificados geneticamente. praticamente todos os alimentos, inclusive os de origem animal, foram modificados geneticamente, mas com as chamadas ferramentas clássicas: Cruza um se com outro até resultar em algo que possa ser aproveitado. no caso de vegetais é até mais fácil, já que se pode fazer o cruzamento com espécies aparentadas ou enxertos. Tal método, entretanto, junta genes desejáveis com milhares não tão bons assim. As ferramentas modernas permitem selecionar genes e implantá-los sem as desvantagens do método clássico. E mais, permite trocas gênicas entre espécies com parentesco distante, como animais e plantas. Esse talvez seja o grande problema e a razão original do medo. São os cientistas mais uma vez brincando de ser Deus (como se extender a vida de uma criança destinada a contrair poliomelite também não fosse brincar de Deus...).

Há uns dez anos atrás, surgiram várias campanhas mais baseadas em preconceito do que em fatos combatendo a produção e utilização de transgênicos. Atualmente, não há tanto combate assim, mas há a defesa da chamada agricultura orgânica, que é incapaz de suprir a demanda cada vez maior de alimentos. (Ironicamente, aqueles com condições financeiras de adquirir esses alimentos são aqueles que muitas vezes se utilizam de carros utilitários). É válida a meta de utilizar menos agrotóxicos e fertilizantes em plantações, já que esses sãos os principais poluentes de vários ecossistemas e afetam a saúde humana. Há vários métodos, inclusive com a utilização de trangênicos, que podem ser utilizados com essa finalidade. Mas as alternativas menos poluentes muitas vezes não são utilizadas por diminuirem as margens de lucro, além de, como é o caso dos transgênicos, esbarrarem em outros problemas.

Atualmente, há a produção em massa, em alguns países, da soja transgênica da Monsanto, aquela capaz de resistir a grandes quantidades do herbicida criado pela própria empresa. Aliás, a Monsanto esteve envolvida em vários escândalos ambientais. Eis o tipo de situação onde o mau uso da Ciência fica evidente. Mas devemos lembrar que foram outros cientistas que conduziram pesquisas que demonstraram os malefícios desse herbicida.

Afinal, a Ciência é um empreendimento humano e, assim como a religião, pode ser usada para o bem e para o mal, em benefício próprio ou de todos. Para qual lado ela tende? Basta observar o mundo à sua volta para ter essa resposta.

COISAS QUE EU TENHO LIDO

- ANANSI BOYS

Neil Gaiman, como é de público e notório conhecimento, é um dos meu ídolos e atualmente o meu escritor de ficção preferido. "Anansi Boys" (Ou "Filhos de Anasi", como ficou por aqui) é um livro que eu havia lido anos atrás, assim que foi lançado, emprestado da Marcele. O meu exemplar, comprado há quase um ano, pedia para ser lido. Então, nada mais justo que atender ao seu pedido. E o livro continua tão bom quanto à primeira vez que eu o li.

Anansi (ou Mr. Nancy) é um dos personagens mais carismáticos do excelente livro "Deuses Americanos", também de Gaiman. Não há nenhuma ligação entre as tramas dos dois livros, além dessa. É um deus africano brincalhão, contador de histórias. Ah, sim, ele é uma aranha (e ao mesmo tempo um homem. Não tem que fazer sentido, ele é um deus!). Quando Anansi falece, seu filho, "Fat Charlie" Nancy, que nunca se deu bem com o pai e o acha um embaraço, além de descobrir a divindade de seu pai, sabe que tem um irmão, Spider, que sem que ele saiba herdou os poderes do pai. Ao convidar o seu irmão para uma visita, tem a sua vida virada de cabeça para baixo, já que este se torna... Fat Charlie. Ao usar mágica para tentar se livrar do irmão, acaba colocando ambos em perigo mortal.

Um aspecto legal do livro é como ele trata da relação entre pais e filhos, e irmãos, do modo como as coisas nem sempre são o que parecem e como, dependendo do ponto de vista, surgem dificuldades de comunicação. Charlie se queixa sempre de como seu pai o colocava em situações embaraçosas em sua infância. Ao conversar com o pai, após a sua morte, percebe o quanto este o amava e que essas situações eram para sua diversão Iafinal, Anansi é um deus brincalhão, conhecido por pregar peças).

Outro: Na maioria dos livros, geralmente, há a descrição de um personagem em relação à sua etnia apenas quando ele não é branco. Aqui, onde os personagens principais são negros, ocorre o inverso (boa sacada do Gaiman). Uma curiosidade: Houve a proposta de adaptarem o livro para o cinema, mas com os protagonistas brancos e sem os elementos mágicos (seria qualquer coisa, menos "Anansi Boys"...). Gaiman educadamente recusou a proposta, dizendo que não precisava do dinheiro. Há ou não há razões para amar esse cara?