domingo, novembro 29, 2009

CARPE NOCTEM

Vampiros estão na moda. Alguma vez saíram? Crepúsculo e suas continuações estão na lista de mais vendidos. “True Blood” e “The Vampire Diaries”, adaptações televisivas de livros de sucesso (The Sookie Stackhouse Novels, de Charlaine Harris, estão começando a ser publicados no Brasil. Diários do Vampiro, de L. J. Smith, já estão sendo publicados por aqui a algum tempo) estão em exibição em alguns canais por assinatura . Recentemente, a editora Aleph lançou no Brasil “Anno Dracula”, de Kim Newman, um livro de história alternativa que mostra uma realidade onde Dracula não só sobreviveu como se tornou Príncipe Consorte, tornando-se o regente do Império onde o sol não se põe (quem quiser me dar de presente...).

Desde “Drácula", de Bram Stoker, os vampiros fazem parte do imaginário popular. Como fã dos Desmortos, devo dizer que desde a minha infância esses seres povoam a minha mente. Uma de minhas primeiras experiências com essas criaturas ocorreu com os filmes da Hammer. O clássico Drácula, com Christopher Lee no papel principal, foi um dos pontos altos de minha infância. Até hoje, relembro com prazer da trilha sonora. Das seqüências, pouco me lembro além das vampiras sedutoras de peitos de fora. Ri com “A Dança dos Vampiros”, de Roman Polanski. Me apavorei com “A Hora do Espanto” (Obriguei a minha mãe a deixar a luz acesa na noite em que vi o filme. Revendo-o, já na adolescência, não vi a razão para tanto medo...). Outros filmes: “Amor à Primeira Mordida”, “Sede de Viver”, "Garotos Perdidos”.

Confesso (Mea culpa, mea culpa) que ainda não li Dracula, de Bram Stoker mas garanto que está na minha lista de próximas leituras.

As experiências literárias marcantes referem-se à:

1. A Hora do Vampiro – Ou “Salem’s Lot”, de Stephen King, publicado em 1975 (Um bom ano, eu diria...). Considero este um de seus melhores livros. Eu o li quando tinha uns 11, 12 anos. A história passa-se na cidade de Jerusalem’s Lot (ou Salem’s Lot), uma pacata e modorrenta cidade no interior do Maine. A chegada de um estranho visitante transforma a cidade em um ninho de vampiros. Um grupo de pessoas – um escritor, um médico, um professor, um garoto fã de filmes de terror e um padre – tornam-se os improváveis caçadores de vampiros.

King usa como base a mitologia vampiresca usada por Stoker e muitos outros que vieram após ele. Seus vampiros transformam-se em nevoa e animais, controlam animais sujos, usam serviçais de mente fraca, não atravessam água corrente, dormem em caixões com terra consagrada, tem aversão à cruz e para uma morte permanente tem, além da estaca no coração, a cabeça cortada, a boca preenchida com alho e são mergulhados em um rio.

Lembro que enquanto lia o livro, tive pesadelos recorrentes com o pôr-do-sol e o pavor com o seu ocaso. Bem melhor que sonhar com números e equações em vésperas de prova de calculo...

2. Crônicas VampirescasAnne Rice soube, com perfeição, reinterpretar o mito do vampiro em “Entrevista com o Vampiro”. O amargurado (ou chato, escolha a sua definição) Louis, narra a sua vida após renascer como um vampiro a um repórter, mostrando vampiros como humanos cuja percepção de mundo são alteradas pelos dons (ou maldições) proporcionados pela transformação e a consciência de imortalidade. Lestat, responsável por tornar Louis em um vampiro, é mostrado como um monstro.

Em “Vampiro Lestat”, vemos o seu lado. Lestat, após um longo sono, desperta em um mundo completamente estranho (anos 80) e, fascinado, escreve uma biografia, monta uma banda e se apresenta como um vampiro. Todos acham que ele é apenas mais uma invenção da mídia, o que não evita que outros vampiros declarem guerra por ele ter violado a regra de nunca mostrar aos humanos sua verdadeira natureza. Ele conta a sua origem e dá a sua versão de alguns fatos narrados por Louis. Vemos então que enquanto Louis se lamenta pelo que se tornou, um avatar da morte, Lestat simplesmente se conforma e tenta aproveitar o máximo a eternidade, bem como o que ela tem a oferecer. A morte de “inocentes” é um pequeno preço a ser pago.

3. Twilight - Ou Crepúsculo. Devo confessar que demorei um ano ou mais para conseguir ler esse livro. Neste período, comecei a ler umas três vezes e não conseguia ir adiante. Conheci o livro por intermédio de uma amiga, que havia comprado o original bem antes de seu lançamento no Brasil. Só comecei a ler quando senti a necessidade de ler algo que pudesse terminar o mais rápido possível e que fosse de fácil leitura, pois estava lendo “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago, e “American Gods”, de Neil Gaiman.

Para quem passou os últimos anos em Marte ou em algum planeta próximo e não conhece a trama básica, eis um resumo: Bella, uma adolescente de 17 anos, conhece Edward, por quem se apaixona e descobre que é um vampiro, que também se apaixona por ela, mas a evita por ser atraído por seu sangue (que loucura não deve ser quando ela está naqueles dias...).

Confesso que a narrativa de Stephenie Meyers me prendeu, ainda mais com os ganchos a cada fim de capitulo. A cada novo capitulo, eu esperava realmente que fosse acontecer alguma coisa grandiosa. O livro não é totalmente ruim, mas é o tipo de entretenimento que é melhor aproveitada com o cérebro no modo off. Há vários furos na narrativa e discuti-los todos necessitaria de um outro post. A personagem Bella, mais uma adolescente angustiada sem causa aparente, é um porre. Edward é pior ainda (ainda hoje eu me pergunto o que um vampiro de 200 anos, bonitão, cheio da grana, com a eternidade ao seu dispor e que pode andar à luz do dia – com o inconveniente de brilhar, infelizmente – tem na cabeça pra ter a infeliz idéia de voltar ao Ensino Médio). Quando a trama dá uma esperança de reviravolta, ela retorna ao lugar comum. Até a batalha no fim é forçada. Os vampiros são uma versão mais pálida de adolescentes ricos e lindos de seriados americanos como “Barrados no Baile”, “The O.C.” ou “Gossip Girl”. Dirigem carrões, habitam mansões e são escravos da moda.

A autora diz que não sabia nada sobre vampiros e que não se inspirou em nenhuma obra anterior sobre o tema. Mas o romance entre uma adolescente e um vampiro bicentenário “vegetariano” foi mostrado nas primeiras temporadas do seriado “Buffy The Vampire Slayer”, de Josh Whedon. Seu Edward é uma versão adolescente do Louis da Anne Rice. Talvez a novidade da obra seja o fato de nada acontecer, o que se deve provavelmente às crenças da autora, que é presbiteriana. Para adolescentes e mulheres com um ideal utópico de romantismo, que ainda acreditam no amor à primeira vista, é uma leitura ideal. O livro agrada o seu publico-alvo, que carece de uma literatura água-com-açúcar e sem muito conteúdo e aos pais dos adolescentes, que se alegram com um livro onde não há sugestão de sexo (os personagens principais só chegam às vias de fato após o casamento, o que ocorre em outro livro) e pouca violência.

Ainda não tive ânimo para ler os outros livros. Talvez entre uma e outra leitura com mais substância.

4. Let the Right One In (Låt den rätte komma in) – Ou “Let me In”, de John Ajvide Lindqvist, como foi renomeado no mercado americano (que teve o nome reduzido, pois o acharam longo demais. Vai entender...). O nome é tanto uma referência à uma musica de Morrissey (Deixe a pessoa certa entrar) quanto ao mito de que um vampiro precisa de um convite formal para adentrar um recinto. Inicialmente, assisti ao filme, que saiu por aqui como “Deixe Ela Entrar”. O filme é lindo: a história, a fotografia, as interpretações, a edição. O fato de saber que foi baseado em um livro me fez procurar a obra (que não saiu no Brasil, ainda). É um dos cada vez mais raros casos de uma boa adaptação, ainda que algumas situações estejam simplificadas no filme, levemente alteradas ou subentendidas no filme.

Na obra, Oskar, um garoto de 12 anos, com pais divorciados, que vive sofrendo agressões por valentões na escola, que coleciona reportagens sobre crimes hediondos e que é um tanto precoce para a sua idade, conhece uma garota, Eli, que acabou de chegar na vizinhança, iniciando uma amizade, sem saber que a recente onda de assassinatos que assolam o bairro estão ligados à ela, uma vampira de 12 anos... há 200 anos. À medida em que a amizade (e o amor) entre os dois vai crescendo, ambos encontram uma espécie de refugio, de santuário, um no outro. Ele, das agressões do mundo; ela, do tormento de ser uma coisa que não pediu para ser e de ter que matar para viver. Na amizade, eles vivem a sensação de normalidade. Ambos se permitem ser crianças.

O livro engloba outros personagens, que são afetados, cada um a seu modo, pelos acontecimentos . Suas vidas são interligadas e são afetadas pelas decisões e passos tomados por cada um deles. Em alguns momentos, me irritava ter que desviar a atenção de Oskar e Eli para algum outro personagem, mas o autor consegue fazer o leitor se interessar pelos outros personagens e a certa altura você passa a dar importância a todos eles e seus problemas.

A trama é bem profunda e aborda temas como pedofilia, incesto, abuso religioso, homossexualismo, alcoolismo e tem uma linguagem bem mais complexa e elaborada do que o Twilight, com o qual já foi comparado. O livro é da Suécia, onde, acredito, não há a preocupação em escrever já pensando em uma possível roteirização - praga que assola o mercado literário do lado de cá. Há longas descrições, viagens interiores e longos capítulos onde os personagens “principais” nem aparecem. O próprio filme adaptado, também sueco, é atípico, se comparado ao cinema americano, condicionado à produção de blockbusters feitos sob medida para um público que não gosta de pensar. Aliás, já está em andamento a produção de uma versão cinematográfica estadounidense. Uma tentativa, talvez vã, de refazer o que já foi feito de forma sublime. Ou será uma tradução para um publico que se desacostumou a pensar? Só o tempo dirá.